Discernimento: Vontade Humana.
- André G. Figur
- 28 de jan. de 2019
- 9 min de leitura

Discernimento: Vontade Humana.
Creio que nunca antes a vontade humana foi tão valorizada quanto nos dias atuais, ou, ao menos, tão citada como fator predominante na vida de uma pessoa.
Endeusar a vontade não é um habito comum de apenas uma religião, ideologia ou filosofia moderna ou antiga, na verdade é uma tentação inerente a natureza humana colocar a sua vontade na frente de tudo e de todos. Somos movido pela nossa vontade.
Primeiramente todos somos “movidos” pela vontade natural, (vontade carnal), que é aquela que nos faz querer o que é de necessidade imediata para nosso corpo, bem-estar, ou prazer físico. Nesse estágio todos somos tentados a sair da dieta e comer de mais, ou a ficar curtindo uma procrastinação na frente do computador ou da TV em vez de ir fazer exercícios físicos. Nessa vontade também se manifestam os instintos e o prazer de exercê-los, ou de se entregar a eles, como o instinto de reprodução, instinto de sobrevivência, etc…
É um tipo de vontade que é mais forte logo quando se manifesta, é um desejo forte por alguma coisa que é em si o objetivo. Pode se manifestar de forma quase incontrolável no início, mas algo mais forte sujeita essa vontade inicial, a vontade emocional, ou a vontade racional, que são duas outras vontades.
A vontade emocional é volúvel, quase líquida, ela se acumula e se dissolve com o mesmo ritmo das ondas do mar, que são inconstantes. Num momento uma frase nos deixou alegres, na próxima sentença verbal ficamos tristes ou irritados. Num momento estamos alegres em comprar um sorvete, dois paços e um tropicão depois, com o sorvete no chão e a casquinha vazia queremos que o mundo exploda. Assim são as emoções, e por mais voláteis que ela seja, ela é mais forte que o primeiro nível de vontade.
Quando uma mulher está ressentida porque lhe chamaram de gorda, e ela se magoou com isso, não importa quanto seu estômago apele para comer, ou seu corpo apele para curtir uma preguiça, ela irá às últimas consequências para emagrecer e ter o prazer de provar que quem lhe magoou estava errado. É uma pura emoção, de uma natureza tão densa que subjuga até a razão. Ela passa mal, mas fará “as inimiga” (assim sem “s” mesmo), comerem tudo que lhe disseram.
Não se engane pensando que isso é uma fraqueza exclusivamente feminina, de homem pra homem basta que um desafie o outro na “coragem”, na “valentia”, na “honra”, que por muito menos ele fará muito mais do que a mulher fez por ressentimento.
Esses comportamentos fazem parte da natureza humana, está no DNA de cada um, não é exclusividade de ninguém, embora alguns possam ler isso e achar que não sofrem deste mal, a verdade é que alguns alimentaram essa falha, outros nãos.
E existe o nível de vontade mais forte, e consequentemente o mais perigoso: A vontade Racional.
Uma pessoa num instinto de auto-defesa pode matar outra, mas não foi movido de sentimento. Uma pessoa irada pode matar a outra, pelo “calor do momento”, mas não foi calculado. Já uma pessoa racional, tem toda capacidade para matar friamente, porque:
A) Aquela pessoa não era mais necessária.
B) Aquela pessoa era um empecilho para o objetivo.
Claro que estou sendo exagerado, mas o que quero que você mantenha em mente, é que não é porque alguém é racional, que ela se torna melhor que as outras duas. Todas são más, todas são ruins, todas são incapazes de praticar a justiça de Deus e de serem salvas, e por isso todas carecem da graça de Deus.
Apenas para esclarecer um pouco mais, saiba que essas três vontades estão presentes em todos, embora para discernir melhor como cada uma trabalha, usei exemplos de pessoas diferentes. Em todos os momentos de nossa vida essas três vontades estão em presentes, a forma como cada um no fim, decide se comportar determina que tipo de pessoa ela é: Uma pessoa emocional, racional, ou carnal.
Uma pessoa sábia, é equilibrada, sabendo perceber o que sua carne está lhe dizendo, entendendo o que sua emoção está sentindo e considerando com a razão todas essas coisas para, por fim decidir como se comportar diante das situações. E isso não é trabalho para um dia ou um ano, mas anos de prática.
Como teístas, é natural que olhemos para essa confusão tricotomista e pensemos: “Puxa Deus, teria sido mais simples se fossemos apenas racionais, ou que a nossa vontade sempre fosse boa.”
Pensamos em algo parecido com isso porque entendemos como algo ruim, como algo mau, termos que lidar com vontades tão voláteis que estão sujeitas tanto a desejarem o mal como nos levar a fazê-lo. Mas existe algo bíblico a ser entendido sobre nossa própria vontade, que toca nosso “livre arbítrio”, e o “fruto do conhecimento do bem e do mal”.
A primeira delas é que sem possibilidade de escolha, não existe amor genuíno. Você não ama seu marido se o que faz é porque depende dele, a mesma coisa com nossos pais, não os amamos de verdade se apenas fazemos o que eles querem para que eles não nos importunem, e porque dependemos deles financeiramente.
Adão não provaria se amava a Deus ou não, se não tivesse a possibilidade de escolher isso. E para poder escolher amar ou não, em qualquer pessoa, ela precisa ter um mecanismo chamado “vontade”, que opera nela e a move. Sem a vontade, não tem como exercer “livre arbítrio”.
Além disso, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, tal qual ele mesmo tem vontade, o homem também tem. Ele é o ser que pelo poder da sua vontade criou todas as coisas, e que tem o poder de destruir todas as coisas, é natural que uma criatura feita à sua imagem, levasse a característica de ter uma vontade, num nível bem menor, criadora ou destruidora também.
Caso faltasse uma dessas vontades em nós, então não teríamos o nível de consciência que temos sobre as nossas escolhas. Somos a única criatura feitos a semelhança de Deus no plano terrestre, material, que é capaz criar coisas tão complexas como a sociedade humana de modo geral, ou até mesmo os hábitos mais simples como “vestir” e “cozinhar”, ou como dizia Ariano Suaçuna: Fazer um prendedor de roupa.
O segundo detalhe é que, depois de que o homem tivesse que ser livre para decidir amar de verdade, ele decidiu não fazê-lo, escolhendo ser separado de Deus e adquirir seu próprio conhecimento do bem e do mal pela experiência.
Talvez esta seja uma forma diferente de olhar para a decisão de Adão e Eva, mas não deixa de ser verdadeira: Adão e eva comeram do fruto do conhecimento do bem e do pecado, pela sua própria vontade, e não exclusivamente por ação de Satanás. A culpa é totalmente deles. (Ou nossa.)
Se você conhece bem o Evangelho então sabe que a decisão do primeiro casal não afetava eles exclusivamente, mas o que eles decidiram, afetou toda a descendência deles, do Éden ao Armagedom. (Ou seja, toda a humanidade.)
Não creio que Adão e Eva comeram do fruto porque realmente achavam que iam se tornar “onipotentes, oniscientes e onipresentes” como Deus, mas que simplesmente adquiririam todo conhecimento do que é bom e mau, sozinhos, independentes de Deus. De forma a não ter mais que depender de Deus para determinar se algo era bom ou mau, correto ou errado. E creia você ou não, foi exatamente isso que eles conseguiram: Decidirem por sí mesmos depois de experienciar, se algo é bom ou mau, certo ou errado.
Essa característica, assim como a mortalidade, passou de Adão, para cada homem e mulher, e isso nos conta uma terrível e má notícia: A natureza do homem não quer a Deus, e por isso não pode fazer a perfeita vontade de Deus.
O fato é que desde o princípio Deus criou o homem com a capacidade de ter uma vontade e de decidir por ela, assim como o próprio Deus tem uma vontade e por ela decidiu entregar Jesus em nosso lugar para que por meio Dele fossemos salvos.
Essa vontade pode ser exercida para produzir boas coisas, ou se deixada livremente, produzirá maus frutos, pois o mal está em nossa natureza, como a erva daninha está na terra. (Ninguém planta erva daninha, é só não cuidar da terra que ela nasce naturalmente.)
No mundo, exercemos nossa vontade conforme o que achamos “melhor” para nós, sem interferências ou inspirações divinas, simplesmente é que o que queremos fazer e ponto.
Decidimos se queremos ou não procurar emprego ou aceitar uma proposta de emprego, decidimos por nós mesmo se vamos fazer faculdade e qual faculdade fazer, seja se “era o que tinha”, ou se “era tudo que queria”, a vontade definitiva sempre decide no fim, pois ante a falta de escolhas interessantes qualquer pessoa livre pode decidir “não cursar” nem uma das possibilidades que se apresentam diante dela, e o mesmo sobre com quem casar, sobre onde morar, sobre qualquer coisa na vida, e até mesmo o empregado embora tenha uma possibilidade de decisão muito limitada, ainda pode decidir se trabalha com vontade ou sem, se continua no trabalho ou não.
Seja como for, quem decide isso, somos nós, seja pelo motivo que se apresentar, a vontade é sempre sua, nunca de outro, ou de Deus.
No mundo, na sociedade, uma pessoa bem sucedida é aquela que, independente do histórico, da família, dos recursos, soube usar sua vontade a seu favor, ou em favor do plano a que se dispôs. O mundo está cheio de exemplos de superação e filosofias que incentivam ávidamente você a “lutar pelo que quer”. “Porque o importante é ser feliz”.
Mas quando nos convertemos, a primeira coisa que o verdadeiro evangelho nos convida é a abandonar esse controle sobre nossas vidas, deixando de tocar nossas vidas por aquilo que queremos ou “achamos melhor”, em prol de viver na confiança total da vontade de uma outra pessoa: Deus.
O que é algo totalmente contra a natureza humana, deixar de viver por sí mesmo, é a primeira exigência para entrar no reino dos céus.
E é aqui onde nasce uma crise.
Se nascermos de novo, e buscarmos a vontade de Deus para nossas vidas, logo descobriremos que Deus tem uma vontade geral e uma vontade específica, e que enquanto buscamos a específica devemos cumprir o chamado geral. (O qual não vou discorrer neste artigo.)
Quando chegamos ao nível de maturidade de começar a entender o relacionamento com Deus e a sua vontade, percebemos algo que parece contraditório: Deus quer que a gente exerça nossa vontade.
E isso é extremamente perigoso, pois Ele não quer que exerçamos a nossa vontade indiscriminadamente, e também não quer que sejamos seus servos, nulos em vontade e ambições, como robôs que só cumprem ordens. Não. Deus quer filhos, com quem possa “compartilhar” a sua vontade.
Todo pai e mãe sabe a diferença entre um filho que obedece, e um filho que compartilha da vontade dos pais. O filho que obedece espera ordens, o filho que compartilha da vontade dos pais é ativo participante do que os seus pais estão fazendo.
O filho que compartilha da vontade do pai, quer o que o pai quer, deseja o que o que o pai deseja, sonha com o que o pai sonha, o filhos que obedece, obedece por deve obediência a seus pais, mas tê outros propósitos e vontades para sua vida, os quais irá prover para sí mesmo, assim que liberado da ordem de seu pai.
E é nesse sentido que Deus quer a gente exerça nossa vontade, pois a nossa vontade revela onde está nosso coração.
Assim, não existe pecado em querer um bom carro, se esse carro é para ajudar a cumprir o propósito de Deus, ou a visão celestial, não exite pecado em buscar riqueza, se essa riqueza for para cumprir o propósito e visão celestial, não existe pecado em casar-se, se o casamento for para cumprir o propósito e a visão celestial, não existe pecado em se mudar, se a sua mudança for movida pela vontade de cumprir a o propósito de Deus para sua vida, não existe pecado em ir trabalhar e prover sustento, se esse trabalho ajudar a cumprir o propósito celestial.
Mas sempre que, aquilo que quisermos, não for o que Deus quer, se o que nos propormos não for o que Deus nos deu por propósito, então sempre será pecado.
Mas além disso, ainda existe mais uma coisa a ser considerada: Deus, em qualquer situação, respeita a sua vontade. Isso não significa que ele fará conforme a sua vontade, mas que ele respeita a sua vontade e deixará que você faça o que quiser, e inclusive, colha os resultados de suas próprias escolhas.
Seja ministerial ou secular, Deus respeita as decisões que você tomar, mesmo que elas não sejam movidas da motivação correta, ou do tempo certo para que você faça algo que vai mudar o resto da sua vida.
Creio que a forma mais simples de entender isso é através da família: Um pai tem seu sonho para seu filho, que representa “o caminho certo” a ser tomado, mas todo pai não quer que seu filho apenas faça porque foi mandado, mas quer que ele queira isso tanto quanto o pai, e entenda que esse de fato é o melhor caminho. Mas se o filho resolve tomar caminhos diferentes, para outros lados na vida, o pai respeita a decisão do filho, e respeitar não é incentivar, é dar a liberdade da pessoa fazer o que quiser. O pai não vai financiar um estilo de vida para o filho que não condiga com a vontade do pai, mas deixa que ele siga seu caminho, colha as consequências de suas decisões. (Ao menos um pai sábio.)
Deus da mesma forma. Ele não vai patrocinar seu pecado, mas deixa que você vá pecar, e colha o salário do pecado. (#Romanos 6:23)


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